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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Jane Jacobs e os parques de bairro

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Em um post anterior sobre espaços públicos, já comentei um pouco sobre as teorias de Jane Jacobs sobre os requisitos para que as praças e parques públicos tenham vitalidade. Suas idéias são tão importantes para o Urbanismo e têm tanto impacto sobre o modo como entendemos a cidade que vale a pena aprofundar um pouco esse assunto.
Uma das suas principais contribuições foi desmantelar uma série de “verdades” consideradas intocáveis à época e que ainda hoje são consideradas válidas por uma boa parcela da população (e, infelizmente, dos tomadores de decisão). Boa parte de sua crítica teve como alvo as idéias modernistas, mais especificamente Le Corbusier e Ebenezer Howard.
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Croqui de Le Corbusier (Fonte: Benevolo, 1999) – Jacobs criticava a ideologia modernista que pregava grandes áreas verdes e edifícios isolados, com segregação de usos e separação entre a circulação de pedestres e veículos.
Segundo Jacobs, a ideologia modernista era equivocada porque defendia que…
…a rua é um lugar ruim para os seres humanos; as casas devem estar afastadas dela e voltadas para dentro, para uma área verde cercada. Ruas numerosas são um desperdício e só beneficiam os especuladores imobiliários, que determinam o valor pela metragem da testada do terreno. A unidade básica do traçado não é a rua, mas a quadra, mais particularmente a superquadra. O comércio deve ser separado das residências e das áreas verdes. (Jacob, 2001, p. 20, criticando os ideais modernistas).
Com relação aos parques urbanos, ela também construiu um argumento poderoso para destruir alguns mitos:
Espera-se muito dos parques urbanos. Longe de transformar qualquer virtude inerente ao entorno, longe de promover as vizinhanças automaticamente, os próprios parques de bairro é que são direta e drasticamente afetados pela maneira como a vizinhança neles interfere. (Jacob, 2001, p. 104)

Seu argumento é de que não basta um parque existir para garantir vitalidade para si mesmo e para o entorno. Não é possível obter valorização de um bairro simplesmente adicionando-se áreas verdes sem nenhum critério. Para que um parque de bairro funcione ele precisa ter 4 elementos:
  1. Complexidade;
  2. Centralidade;
  3. Insolação;
  4. Delimitação espacial.
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complexidade é o elemento mais trabalhado por ela e, aparentemente, o mais importante. Nesse caso, a complexidade refere-se à diversidade de usos e de pessoas no entorno do parque, que conferem diversidade de horários e de propósitos para sua utilização.
A variedade de usos dos edifícios propicia ao parque uma variedade de usuários que nele entram e dele saem em horáriosdiferentes. Eles utilizam o parque em horários diferentes porque seus compromissos diários são diferentes. Portanto, o parque tem uma sucessão complexa de usos e usuários. (Jacobs, 2001, p. 105)
A complexidade envolve também riqueza espacial, criada por elementos tais como diferenças de nível, visuais interessantes, perspetivas variadas, agrupamentos de árvores, etc.
centralidade refere-se a um elemento espacial central ou, mais precisamente, com hierarquia superior aos demais, para atuar como referência no espaço da praça. Ele atua como polarizador dos usos e da legibilidade do espaço, sendo reconhecido por todos como o centro da praça.
insolação provavelmente é mais importante para os países mais frios, apesar de que mesmo no Brasil não é interessante que os parques sejam sombreados pelos edifícios vizinhos. Ao contrário, é desejado que os parques propiciem tanto boas áreas de sombra para o verão como áreas ensolaradas para os dias de inverno.
pracas_01Por fim, a delimitação espacial segue a linha do que Camillo Sitte defendia no final do século XIX, ou seja, a noção de que os espaços abertos devem ser conformados pelos edifícios, e não serem simplesmente formados a partir dos resíduos deixados pelas configurações dos espaços fechados. Não devem, tampouco, formar imensas áreas vazias sobre as quais os edifícios se assentam, como defendia o Modernismo.
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É preciso que as praças possuam delimitação espacial fornecida pelos espaços edificados ao seu redor.
É interessante notar como as teorias de Jacobs parecem válidas ainda hoje, apesar de terem sido desenvolvidas há mais de 4 décadas e em uma realidade completamente diferente da que temos hoje no Brasil. Se observarmos atentamente as praças e espaços públicos das cidades brasileiras vamos chegar à conclusão que as teorias são bastante válidas para a nossa realidade. É muito comum vermos praças relativamente bem arrumadas e arborizadas que ficam o dia todo deserto, sem praticamente ninguém utilizando. Não por acaso, a maioria deles fica em bairros de classe média/média-alta quase que exclusivamente residenciais.
Por outro lado, em bairros em que há uma maior diversidade de usos, as praças tendem a ser mais utilizadas e a ser mais interessantes.

Fonte: http://urbanidades.arq.br/2007/09/jane-jacobs-parques-de-bairro/

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