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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

DISCUSSÕES SOBRE ARQUITETURA

Arquitetos projetam e executam, dentre outras coisas, construções magníficas, edifícios 
que impressionam. Fazem curvas, ângulos retos, parábolas, elipses, cubos, quadrados 
e círculos. Projetam, também, enclaves fortificados, (auto)segregadores, cidades desiguais 
e espraiadas. Agora pergunto: e a arquitetura para quem precisa de arquitetura?

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Fonte: www.namargem.ufscar.br
Quando usamos o Google para pesquisar por "arquitetura", temos a seleção instantânea 
de inúmeras imagens de edifícios lindos, tecnicamente impecáveis, feitos por arquitetos 
que estão em capas de revistas e viajando para Dubai para conversar sobre novos trabalhos 
absurdos com algum Xeique. O primeiro contanto com a arquitetura, muitas vezes, é esse. 
A definição de arquiteto é, para muitos, se não de decorador com ensino superior, um 
fazedor de coisas bonitas e faraônicas.
As escolas de arquitetura no Brasil são muito responsáveis por isso. Uma grande parcela 
dessas está preocupada em injetar mão-de-obra no mercado, não aprofundando conceitos 
fundamentais para a produção arquitetônica, tais como filosofia, sociologia, leis de uso 
e ocupação do solo, função social da terra e da propriedade, etc. Nesse sentido, 
estamos formando mais e mais arquitetos que querem projetar casas de luxo, proliferar 
condomínios, shoppings, praças sem bancos, espaços sem vida e cidades sem diversidade.
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Cidade do México Fonte: Archdaily
É errado querer projetar edifícios gigantes, com curvas, com luzes, com King Kong 
ou com formato fálico? É errado projetar casas com muitas fachadas de vidro, piscina 
e campo de golf (ô esporte chato) para as madames em Alphaville? Claro que é uma 
discussão que resultaria em muita controversa. Não, não é errado. As madames têm direito 
à arquitetura e, sim, a verticalização é uma saída muito viável em certos casos. Todavia, 
só isso que os arquitetos podem devolver à sociedade? Um bacharel que estuda o lugar, 
a cidade, a filosofia, a história, etc, está limitado à produção de espaços murados, 
segregadores, aversivos?
É isso que devemos discutir. A política molda as nossas cidades. Existem leis que 
seriam extremamente úteis, se aplicadas, para atenuar os efeitos da especulação imobiliária 
e o apetite de extermínio dos poderosos para com os pobres.
Por que não se aplica? Pois as vontades de alguns beneficiam um parcela e condenam 
a outra. O sistema rodoviário desenhou muitas de nossas cidades e as tornou ainda 
mais segregadoras. O interesse de grandes construtoras passa por cima da lei, cometendo 
crimes, desconsiderando ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), APPs (Áreas de 
Preservação Permanente), dentre outros mecanismos que contribuiriam para uma cidade 
mais heterogênea e com espaços cheios de potencialidade.
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Rio de janeiro Fonte: Archdaily
Estamos criando cidades que não são para as pessoas - pelo menos não para todas as 
pessoas. O problema não é construir um grande edifício desconstrutivista, mas fazê-lo 
em uma ZEIS, em uma Área de Preservação Permanente; a casa do rico tem que ser 
projetada, porém o erro está em produzir condomínios, muros e barreiras. Edificar aberrações 
que, muitas vezes, são construídos em locais onde havia habitações do mais pobre, daquele 
que foi jogado para mais longe da cidade.
É essa arquitetura que estamos fadados a produzir? Espero que não.
Arquitetura é ação política. Muitos dos danos sociais que temos hoje são frutos históricos 
de um mau planejamento urbano, projetos essencialmente discriminadores, dentre outros 
fatores. Podemos mudar a cidade e os espaços materializando, em nossas obras como 
arquitetos, a política, a filosofia, a história, a sociologia, o direito e as outras facetas que 
azem parte da disciplina tão plural que é a arquitetura. Assim poderemos construir uma 
cidade mais justa.
Com esse pensamento, o qual, certamente, deveria ser mais trabalhado na universidade, 
procurar fazer arquitetura para quem precisa de arquitetura. Esta é uma Ciência Social 
Aplicada, a qual deve ter impacto positivo na comunidade e leis como a 11.888, dentre outras, 
fomentam tais práticas.
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Trafalgar Square – Londres – Foto: Mark Hillary Fonte: urbanidade.arq.br
Produzir espaços públicos que atraiam pessoas, que sejam lugares. Discutir sobre o 
transporte público, sobre ciclovias, sobre a mobilidade urbana em geral. Ser político ao 
fazer arquitetura: pensar naquele que precisa, analisar o indivíduo em todas as escalas. 
Produzir, dentro de seus partidos e condições (financeiras, climáticas, sociais), obras que 
não se limitem à unidade edificada.
Por que não propor conjuntos habitacionais que levem em consideração a cultura, o lote, 
as pessoas que serão contempladas com o projeto? Por que não criticar veementemente a 
especulação imobiliária, os interesses dos ricos e das construtoras? Por que não construir 
com materiais sustentáveis, para diminuir custos? Por que não fazer intervenções no espaço 
público? Por que não criticar os enclaves fortificados e as praças que não têm bancos? E, 
sobretudo: Por que não articular medidas, propor projetos, propor intervenções e propor
 discussões nas regiões onde mais se precisa de arquitetura?
São muitos porquês. Mas uma coisa é certa: diferente do que se prega por aí, em Hollywood, 
na TV e nas próprias universidades, arquitetos não são decoradores e não fazem casinhas. 
Arquitetos transformam o mundo.
Pelo menos podem. Por que não fazer?
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/isso_nao_e_um_blog/2014/11/
discussoes-sobre-arquitetura.html

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