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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A difícil arte de ouvir


Um dos maiores problemas de comunicação tanto das massas como a interpessoal, é de como o receptor, ou seja, o “outro”, ouve o que o emissor, ou seja, a pessoa, falou.
Numa mesma cena de telenovela, notícia de telejornal ou num simples papo ou discussão, observe que a mesma frase permite diferentes níveis de entendimento.
Na conversação, dá-se o mesmo. Raras, raríssimas são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que o outro está dizendo.
Diante desse quadro, venho desenvolvendo uma série de observações e, como ando bastante entusiasmado com a formulação delas, divido-as com o competente eleitorado que, por certo, me ajudará, passando-me as pesquisas que tenha a respeito.
Observe que:
  1. Em geral, o receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que o outro não está dizendo.
  2. O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que quer ouvir.
  3. O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que já escutara antes e coloca o que o outro está falando naquilo que acostumou a ouvir.
  4. O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que imagina que o outro irá falar.
  5. Numa discussão em geral, os discutidores não ouvem o que o outro está falando: eles ouvem quase que só o que estão pensando para dizer em seguida.
  6. O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que gostaria, ou de ouvir, ou o que o outro dissesse.
  7. A pessoa não ouve o que o outro fala: ela ouve o que está sentindo.
  8. A pessoa não ouve o que o outro fala: ela ouve o que já pensava a respeito daquilo que a outra está falando.
  9. A pessoa não ouve aquilo que a outra está falando: ela retira da fala da outra apenas as partes que tenham a ver com ela e a emocionem, agradem, ou molestem.
  10. A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento. Vale dizer. Ela transforma o que a outra está falando em objeto de concordância ou de discordância.
  11. A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve o que possa se adaptar ao impulso do amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.
  12. A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve da fala dela apenas aqueles pontos que possam fazer sentido para as idéias e pontos de vista que, no momento, a estejam influenciando ou tocando mais diretamente.
  13. Esses doze pontos mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil de comunicar! O que há em geral, ou são monólogos paralelos, à guisa (tentativa) de diálogo. O próprio diálogo pode haver sem que necessariamente haja comunicação. Esta só se dá quando ambos os pólos ouvem-se, não, é claro no sentido material de “escutar”, mas no sentido de procurar compreender em sua extensão e profundidade, o que o outro está dizendo.
    Ouvir, portanto é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia.
    Ouvir implica numa entrega ao outro, numa diluição dele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A sua inteligência em funcionamento permanente, o seu hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar tudo interfere como um ruído na plena recepção daquilo que o outro está falando. O receptor não ouve o que o outro fala: outros elementos perturbam o ato de ouvir.
    Não é só a inteligência a atrapalhar a plena audição. Um deles é o mecanismo de defesa. Há pessoas que se defendem de ouvir o que as outras estão dizendo, por verdadeiro pavor inconsciente de perderem a si mesmas. Elas precisam “não ouvir” porque “não ouvindo” livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das próprias, de verdades idem e assim por diante. Livram-se do novo, que é saúde, mas as apavora. Não ouvir é, pois um sólido mecanismo de defesa.
    Ouvir é um grande desafio, desafio de abertura interior, de impulso na direção do próximo, de comunhão com ele, de aceitação de como é e como pensa. Ouvir é proeza. Ouvir é raridade. Ouvir é ato de sabedoria.
    Depois que a pessoa aprende a ouvir, ela passa a fazer descobertas incríveis escondidas ou patentes em tudo àquilo que os outros estão dizendo a propósito de falar.

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