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segunda-feira, 9 de junho de 2014

Outorga Onerosa do Direito de Construir


A Outorga Onerosa é um dos instrumentos regulamentados pelo Estatuto da Cidade, apesar de já ser utilizada em muitos municípios antes mesmo da aprovação do EC. É um instrumento que tem gerado muitas dúvidas na sua implementação e mesmo na sua concepção e previsão dentro do plano diretor.

FUNCIONAMENTO DA OUTORGA

A Outorga Onerosa do Direito de Construir, também conhecida como “solo criado”, refere-se à concessão emitida pelo Município para que o proprietário de um imóvel edifique acima do limite estabelecido pelo coeficiente de aproveitamento básico, mediante contrapartida financeira a ser prestada pelo beneficiário.
Coeficiente de Aproveitamento Básico é um índice que indica o quanto pode ser construído no lote sem que a edificação implique numa sobrecarga de infra-estrutura para o Poder Público. Tipicamente, esse coeficiente é igual a 1, o que significa que o proprietário pode edificar uma área igual à área do lote que possui. Caso o proprietário deseje edificar uma área maior que a estabelecida pelo coeficiente básico, ele deve dar ao Poder Público uma contrapartida financeira, ou seja, ele deve “comprar” do município o direito de construir uma área maior.
Essa área construída, entretanto, deve estar abaixo da estipulada pelo coeficiente de aproveitamento máximo. Portanto, a área máxima a ser outorgada equivale à diferença entre o coeficiente máximo e o coeficiente básico estipulado para a área.
A Figura abaixo ilustra esquematicamente o funcionamento desse instrumento.
5_outorga
Critérios para a aplicação do instrumento
O objetivo da Outorga Onerosa, portanto, é recuperar parte dos investimentos a serem realizados pelo Poder Público para suprir as demandas geradas pelas altas densidades. Curiosamente, o Estatuto da Cidade veda a utilização dos recursos arrecadados com a Outorga em implantação de infra-estrutura, que seria a demanda mais diretamente ligada ao aumento da densidade. Os recursos podem ser utilizados para (art. 31 fazendo menção aos incisos I a IX do art. 26):
I – regularização fundiária;
II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
III – constituição de reserva fundiária;
IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;
VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;
Além disso, a outorga, na sua origem, também tinha como objetivo “equalizar” os preços dos terrenos, evitando que os índices urbanísticos causassem supervalorização de algumas áreas (onde era possível verticalizar) e desvalorização de outras (onde não era possível verticalizar).
Por isso, é importante que os coeficientes estejam alinhados com os objetivos que o Município possui para cada área da cidade, ou seja, a Outorga deve ser destinada àquelas áreas onde é possível adensar. Nas áreas onde não é desejável ou possível adensar, deve-se manter o índice baixo (coeficiente máximo igual a 1 ou mesmo menor que isso).
O município pode também definir coeficientes diferenciados de acordo com as características de cada zona e com os objetivos definidos para elas (Estatuto da Cidade – Art. 28; §2º). Nesse sentido, ele deixa de ser um instrumento meramente arrecadador e passa a ser também uma forma de induzir o desenvolvimento urbano, dificultando ou facilitando o adensamento de áreas de acordo com os objetivos da política urbana. Uma forma de fazer isso é limitar os estoques de área construída a serem disponibilizados para o mercado, oferecendo-os apenas naquelas áreas cujo crescimento deve ser incentivado, e preservando áreas que não devem ser adensadas a curto prazo (tais como as áreas de expansão urbana, freqüentemente exploradas precocemente pelos loteadores por causa do seu baixo custo relativo).
Alteração de uso do solo
O EC permite também que o plano defina áreas onde será permitida mudança de uso do solo mediante contrapartida do beneficiário (art. 29). Essa diretriz me deixou desconfiado a princípio, já que imaginei que ele poderia dar margem a abusos na flexibilização das normas referentes ao uso do solo. Mas a palestra da Paula Santoro, na VII Conferência das Cidades, defendeu o uso dessa modalidade do instrumento nas franjas urbanas para evitar a especulação imobiliária com glebas distantes do tecido urbano consolidado, e auxiliar a diminuir o seu preço. De quebra, poderia ajudar a evitar o crescimento fragmentado, que transforma precocemente áreas rurais em loteamentos, para aproveitar os preços mais baixos em comparação com as glebas localizadas junto ao tecido urbano.
Integração com outros instrumentos
Um ponto complicado da implementação da Outorga é a interseção do instrumento com a Transferência do Direito de Construir (TDC). Teoricamente, um proprietário poderia comprar seu direito de construir do Poder Público, por meio da Outorga, ou de outro proprietário, por meio da TDC, o que tornaria os instrumentos concorrentes / complementares Até aí, tudo bem, contanto que a área edificada final não exceda o Coeficiente de Aproveitamento Máximo da zona.
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Mas para quem está transferindo potencial construtivo, qual é a área que pode ser construída? Se o que está acima do CA básico deve ser comprado do Poder Público, então pela lógica o que cada proprietário tem como seu é apenas o CA básico, e é apenas esse coeficiente que pode ser vendido pela TDC. Essa questão ainda não está clara. O texto da Prof. Fernanda Furtado e, principalmente, a palestra disponível em áudio, tratam dessa questão. Vale a pena a leitura do texto, e é possível baixar a palestra para ouvir no ônibus, ou na academia.


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