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terça-feira, 10 de junho de 2014
O Analfabeto Político
"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de
vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato
e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito
dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua
ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e
o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra,
corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais."
(Bertolt Brecht)
segunda-feira, 9 de junho de 2014
Quando Nietzsche chorou
Um filósofo Alemão que contestou a moralidade e o cristianismo. Ele acreditava
no presente e no mundo em que vivemos. Nietzsche afirmava a vida e o
honesto questionamento, sendo também aceito como um dos primeiros
filósofos existencialistas.
Nasceu em:15 de Outubro de 1844 e Faleceu em:25 de agosto de 1900.
No filme ou livro: "Quando Nietzsche Chorou você poderá ver um lado
romântico da vida deste maravilhoso homem.
Todas as vezes que ouvi falar em Friedrich Nietzsche, minha mente se
voltava para "a morte de Deus" e "assim falou zaratrusta". Ultimamente
nas listas dos mais lidos está "Quando Nietzsche chorou", de
Irvin D. Yalom. Fiz download do livro depois de ter lido alguns
comentários, mas como é de praxe, não lembro o que esses
comentários diziam.
Tenho certeza que será muito interessante ler um
romance que junta Freud, Nietzsche e outros personagens fictícios...
e tratado como se fosse um verdadeiro diário, em primeira pessoa
e não-onisciente. Isto é, parece que o Dr. Beuer não sabe
onde vai dar a história enquanto conta. E narra seus dramas
íntimos, links entre as enfermidades dos seus pacientes e as
suas próprias neuras...
Dr. Beuer, um médico austríaco nos idos do século XIX, se vê
diante de um conjunto de sintomas que está prestes a levar
Nietzsche ao suicídio, após anos sem uma vida decente,
passando cerca de apenas 48 dias sem dor durante um ano.
E acabou de chegar ao diagnóstico de hemicrania, ou a popular
enxaqueca.
O subtítulo é "romance da obsessão". E essa obsessão é vista
em cada personagem de uma maneira diferente, e creio que
por cada leitor de uma maneira particular, também. Procurando
link para baixar o livro, vi também, que já foi espetáculo de teatro interpretado
por Cassio Scarpin e Ana Paula Arósio.
voltava para "a morte de Deus" e "assim falou zaratrusta". Ultimamente
nas listas dos mais lidos está "Quando Nietzsche chorou", de
Irvin D. Yalom. Fiz download do livro depois de ter lido alguns
comentários, mas como é de praxe, não lembro o que esses
comentários diziam.
Tenho certeza que será muito interessante ler um
romance que junta Freud, Nietzsche e outros personagens fictícios...
e tratado como se fosse um verdadeiro diário, em primeira pessoa
e não-onisciente. Isto é, parece que o Dr. Beuer não sabe
onde vai dar a história enquanto conta. E narra seus dramas
íntimos, links entre as enfermidades dos seus pacientes e as
suas próprias neuras...
Dr. Beuer, um médico austríaco nos idos do século XIX, se vê
diante de um conjunto de sintomas que está prestes a levar
Nietzsche ao suicídio, após anos sem uma vida decente,
passando cerca de apenas 48 dias sem dor durante um ano.
E acabou de chegar ao diagnóstico de hemicrania, ou a popular
enxaqueca.
O subtítulo é "romance da obsessão". E essa obsessão é vista
em cada personagem de uma maneira diferente, e creio que
por cada leitor de uma maneira particular, também. Procurando
link para baixar o livro, vi também, que já foi espetáculo de teatro interpretado
por Cassio Scarpin e Ana Paula Arósio.
Frases:
"Há homens que já nascem póstumos."
"A diferença fundamental entre as duas religiões da decadência: o budismo
não promete, mas assegura. O cristianismo promete tudo, mas não cumpre nada."
"Quando se coloca o centro de gravidade da vida não na vida mas no “além” -
no nada -, tira-se da vida o seu centro de gravidade."
"Para ler o Novo Testamento é conveniente calçar luvas. Diante de tanta sujeira,
tal atitude é necessária."
"O cristianismo foi, até o momento, a maior desgraça da humanidade,
por ter desprezado o Corpo."
"A fé é querer ignorar tudo aquilo que é verdade."
"As convicções são cárceres."
"As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras."
"Até os mais corajosos raramente têm a coragem para aquilo que realmente
sabem."
"Sem música, a vida seria um erro."
"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por
aqueles que não podiam escutar a música."
"A moralidade é o instinto do rebanho no indivíduo."
"O idealista é incorrigível: se é expulso do seu céu, faz um ideal do seu inferno."
"Em qualquer lugar onde encontro uma criatura viva, encontro desejo de poder."
"Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos."
"Quanto mais me elevo, menor eu pareço aos olhos de quem não sabe voar."
"Se minhas loucuras tivessem explicações, não seriam loucuras."
"O Homem evolui dos macacos? é existem macacos!"
"Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal."
"Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão
na loucura."
"Torna-te quem tu és!"
"O padre está mentindo."
"Deus está morto mas o seu cadáver permanece insepulto."
Obras:
O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música
A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos
Sobre a verdade e a mentira em sentido extra moral
Considerações Extemporâneas
David Strauss, o Confessor e o Escritor
Dos Usos e Desvantagens da História Para a Vida
Schopenhauer como Educador
Richard Wagner em Bayreuth
Humano, Demasiado Humano, um Livro para Espíritos Livres
Aurora, Reflexões sobre Preconceitos Morais
A Gaia Ciência
Assim Falou Zaratustra, um Livro para Todos e para Ninguém
Além do Bem e do Mal, Prelúdio a uma Filosofia do Futuro
Genealogia da Moral, uma Polêmica
O Crepúsculo dos Ídolos, ou como Filosofar com o Martelo
O Caso Wagner, um Problema para Músicos
O Anticristo - Praga contra o Cristianismo
Ecce Homo, de como a gente se torna o que a gente é
Nietzsche contra Wagner
"Há homens que já nascem póstumos."
"A diferença fundamental entre as duas religiões da decadência: o budismo
não promete, mas assegura. O cristianismo promete tudo, mas não cumpre nada."
"Quando se coloca o centro de gravidade da vida não na vida mas no “além” -
no nada -, tira-se da vida o seu centro de gravidade."
"Para ler o Novo Testamento é conveniente calçar luvas. Diante de tanta sujeira,
tal atitude é necessária."
"O cristianismo foi, até o momento, a maior desgraça da humanidade,
por ter desprezado o Corpo."
"A fé é querer ignorar tudo aquilo que é verdade."
"As convicções são cárceres."
"As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras."
"Até os mais corajosos raramente têm a coragem para aquilo que realmente
sabem."
"Sem música, a vida seria um erro."
"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por
aqueles que não podiam escutar a música."
"A moralidade é o instinto do rebanho no indivíduo."
"O idealista é incorrigível: se é expulso do seu céu, faz um ideal do seu inferno."
"Em qualquer lugar onde encontro uma criatura viva, encontro desejo de poder."
"Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos."
"Quanto mais me elevo, menor eu pareço aos olhos de quem não sabe voar."
"Se minhas loucuras tivessem explicações, não seriam loucuras."
"O Homem evolui dos macacos? é existem macacos!"
"Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal."
"Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão
na loucura."
"Torna-te quem tu és!"
"O padre está mentindo."
"Deus está morto mas o seu cadáver permanece insepulto."
Obras:
O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música
A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos
Sobre a verdade e a mentira em sentido extra moral
Considerações Extemporâneas
David Strauss, o Confessor e o Escritor
Dos Usos e Desvantagens da História Para a Vida
Schopenhauer como Educador
Richard Wagner em Bayreuth
Humano, Demasiado Humano, um Livro para Espíritos Livres
Aurora, Reflexões sobre Preconceitos Morais
A Gaia Ciência
Assim Falou Zaratustra, um Livro para Todos e para Ninguém
Além do Bem e do Mal, Prelúdio a uma Filosofia do Futuro
Genealogia da Moral, uma Polêmica
O Crepúsculo dos Ídolos, ou como Filosofar com o Martelo
O Caso Wagner, um Problema para Músicos
O Anticristo - Praga contra o Cristianismo
Ecce Homo, de como a gente se torna o que a gente é
Nietzsche contra Wagner
“Clarice Lispector quer desmontar as máscaras e conhecer o que há por trás delas”
Em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line a professora Yudith Rosenbaum declara que “Clarice Lispector é uma escritora que se dedicou a uma busca interminável: a representação do indizível, ou seja, do que não se pode representar em palavras dentro do código convencional da linguagem”. E explica que esse desafio de dizer o que é impossível de dizer “fez de Clarice uma escritora atormentada e simultaneamente fascinada pelas descobertas que o exercício da escrita lhe reservava”.
Por: IHU Online
Rosenbaum é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Além disso, fez o mestrado e o doutorado em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é professora de Literatura Brasileira no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo. É autora de, entre outros, Metamorfoses do mal: uma Leitura de Clarice Lispector (São Paulo: Edusp/Fapesp, 1999) e Clarice Lispector (São Paulo: Publifolha - Série Folha Explica, 2002).
IHU On-Line - Passados 30 anos da morte de Clarice Lispector, qual é sua maior herança? O que faz desta escritora ainda tão atual?
Yudith Rosenbaum - Clarice Lispector é uma escritora que se dedicou a uma busca interminável: a representação do indizível, ou seja, do que não se pode representar em palavras dentro do código convencional da linguagem. Esse desafio - dizer o que é impossível de dizer - fez dela uma escritora atormentada e simultaneamente fascinada pelas descobertas que o exercício da escrita lhe reservava. Sua aparição nas Letras, na década de 1940, foi um impacto que até hoje não parece de todo assimilado; não se adequava ao neo-realismo, que vigorava na literatura regionalista dos anos 1930, preferindo penetrar outra realidade, tão intensa quanto a região do Nordeste, onde passara a infância e a adolescência. Seu mundo era o das entrelinhas, dos sussurros, da introspecção, das epifanias em meio ao cotidiano, das questões metafísicas, além e aquém da realidade prosaica. Sua prosa mirava algo que não se entregava ao olhar realista; seus objetos se situavam no escuro, fora da zona iluminada pela razão instrumental. Em meio aos romances preocupados com a documentação do real para melhor denunciar suas contradições, enfocando as mazelas de um Brasil desigual, Clarice tentou sondar outros sertões, outros desertos que a alma ocultava e que precisavam ser ouvidos, sem deixar de enfocar o social, mas de modo oblíquo e singular. Penso que sua herança, após 30 anos de sua morte, está no território intimista que sua prosa revelou, dando corpo a um mundo de paixões, desejos, fantasmas, projeções e identificações presentes nas relações mais cotidianas. Ler Clarice hoje é entrar no universo do estranhamento, das visadas deslocadas do habitual, das coisas vistas ao revés, como essa definição de janela oferecida pela autora: “O que é uma janela se não o ar emoldurado por esquadrias?”? Sua escrita é atual porque ainda buscamos decifrar sentidos fugidios, compreender o que se põe fora do campo do conhecido, aventurar-se a se posicionar no mundo sem clichês, sem estereótipos, sem disfarces – tudo isso sendo o foco incessantemente denunciado por Clarice. Como Machado de Assis e Mário de Andrade , Clarice Lispector quer desmontar as máscaras e conhecer o que há por trás delas.
IHU On-Line – Quais são os mistérios que envolvem a vida e a obra de Clarice?
Yudith Rosenbaum - Clarice abominava a imagem de escritora misteriosa que se havia construído ao seu redor. Ela se dizia uma dona-de-casa que escrevia livros; aliás, ela sentava-se na sala com sua máquina datilográfica no colo, em meio aos filhos, empregada e visitas. Era bastante resguardada do assédio da imprensa, mas recebia com prazer os que queriam conhecê-la sem formalidades. Tendo sido esposa de diplomata, Clarice sofreu na pele as recepções burocráticas e o desenraizamento a que o casal teve de se submeter, o que lhe trouxe muita angústia. Se há algo de misterioso em sua vida - e que ela sempre negou – transpôs-se para sua obra como um modo de ser. Sua escrita aceita o mistério como parte do universo vivido, tomando o cuidado para não decifrá-lo e com isso perdê-lo. Sua obra parece afirmar insistentemente que não sabemos tudo, não podemos e não devemos saber tudo. Essa zona de escuridão é justamente a condição de vermos o que não é visível na luz (como as estrelas no céu escuro). Certas coisas só se revelam no mistério, desafiando o nosso entendimento egóico, sempre tão pretensioso e onipotente. Clarice pessoa e Clarice escritora não se distinguem no que almejam; ambas querem “a coisa” irrevelada. O mistério, portanto, está no objeto da busca e não na autora e seu cotidiano.
Yudith Rosenbaum - Clarice Lispector é uma escritora que se dedicou a uma busca interminável: a representação do indizível, ou seja, do que não se pode representar em palavras dentro do código convencional da linguagem. Esse desafio - dizer o que é impossível de dizer - fez dela uma escritora atormentada e simultaneamente fascinada pelas descobertas que o exercício da escrita lhe reservava. Sua aparição nas Letras, na década de 1940, foi um impacto que até hoje não parece de todo assimilado; não se adequava ao neo-realismo, que vigorava na literatura regionalista dos anos 1930, preferindo penetrar outra realidade, tão intensa quanto a região do Nordeste, onde passara a infância e a adolescência. Seu mundo era o das entrelinhas, dos sussurros, da introspecção, das epifanias em meio ao cotidiano, das questões metafísicas, além e aquém da realidade prosaica. Sua prosa mirava algo que não se entregava ao olhar realista; seus objetos se situavam no escuro, fora da zona iluminada pela razão instrumental. Em meio aos romances preocupados com a documentação do real para melhor denunciar suas contradições, enfocando as mazelas de um Brasil desigual, Clarice tentou sondar outros sertões, outros desertos que a alma ocultava e que precisavam ser ouvidos, sem deixar de enfocar o social, mas de modo oblíquo e singular. Penso que sua herança, após 30 anos de sua morte, está no território intimista que sua prosa revelou, dando corpo a um mundo de paixões, desejos, fantasmas, projeções e identificações presentes nas relações mais cotidianas. Ler Clarice hoje é entrar no universo do estranhamento, das visadas deslocadas do habitual, das coisas vistas ao revés, como essa definição de janela oferecida pela autora: “O que é uma janela se não o ar emoldurado por esquadrias?”? Sua escrita é atual porque ainda buscamos decifrar sentidos fugidios, compreender o que se põe fora do campo do conhecido, aventurar-se a se posicionar no mundo sem clichês, sem estereótipos, sem disfarces – tudo isso sendo o foco incessantemente denunciado por Clarice. Como Machado de Assis e Mário de Andrade , Clarice Lispector quer desmontar as máscaras e conhecer o que há por trás delas.
IHU On-Line – Quais são os mistérios que envolvem a vida e a obra de Clarice?
Yudith Rosenbaum - Clarice abominava a imagem de escritora misteriosa que se havia construído ao seu redor. Ela se dizia uma dona-de-casa que escrevia livros; aliás, ela sentava-se na sala com sua máquina datilográfica no colo, em meio aos filhos, empregada e visitas. Era bastante resguardada do assédio da imprensa, mas recebia com prazer os que queriam conhecê-la sem formalidades. Tendo sido esposa de diplomata, Clarice sofreu na pele as recepções burocráticas e o desenraizamento a que o casal teve de se submeter, o que lhe trouxe muita angústia. Se há algo de misterioso em sua vida - e que ela sempre negou – transpôs-se para sua obra como um modo de ser. Sua escrita aceita o mistério como parte do universo vivido, tomando o cuidado para não decifrá-lo e com isso perdê-lo. Sua obra parece afirmar insistentemente que não sabemos tudo, não podemos e não devemos saber tudo. Essa zona de escuridão é justamente a condição de vermos o que não é visível na luz (como as estrelas no céu escuro). Certas coisas só se revelam no mistério, desafiando o nosso entendimento egóico, sempre tão pretensioso e onipotente. Clarice pessoa e Clarice escritora não se distinguem no que almejam; ambas querem “a coisa” irrevelada. O mistério, portanto, está no objeto da busca e não na autora e seu cotidiano.
IHU On-Line - A que fatores podemos atribuir o sucesso de sua obra? O que caracteriza o jeito Clarice de escrever?
Yudith Rosenbaum - Nos primeiros vinte anos de sua obra, Clarice foi aceita mais pelos críticos e universitários do que pelo público em geral. Seu estilo ainda era visto como hermético e difícil. Não exatamente pela camada semântica (sempre clara e simples), mas pela complexidade do conteúdo que evocava a partir de uma forma aparentemente banal e acessível. Nos anos 1960, a publicação de Laços de família (1960), de A paixão segundo G.H, (1964) e do livro de contos A legião estrangeira (1964) tornaram a autora um sucesso nacional, atingindo leitores que antes se afastavam de seus textos. A época era propícia para o desejo transgressor que sua obra expressava, abrindo canais para a necessidade de libertação e reposicionamento das pessoas no mundo compartimentalizado e alienante. Talvez esteja aí um dos atrativos de sua literatura, pois ela revela o que nos aprisiona nas relações sociais e mostra aberturas fugazes, intensas e fascinantes. O conto “Amor” é exemplar nesse sentido. Ana, a protagonista, é colocada em uma situação totalmente diária, voltando de bonde para casa com as compras no colo. Súbita e inesperadamente, a visão de um cego no ponto do bonde faz ruir suas defesas tão bem armadas para não deixar explodir a existência em toda a sua força e violência. A partir desse fato disruptor, “o mal estava feito”, conforme diz o narrador. Estamos sempre tentando nos anestesiar para que a vida não nos invada (como Ana e seu cotidiano ordenado), e a escrita de Clarice nos desnuda, toca em nossa ferida. Ao mesmo tempo em que gera o mal-estar no leitor desavisado, promove uma identificação que o ajuda a compreender seus próprios mecanismos sociopsíquicos, sem nenhuma teorização sobre eles. Seu estilo é marcado por reiterações, alusões, frases estranhas cuja sintaxe desobedece algumas regras gramaticais, adjetivações paradoxais (por exemplo: “ardor de burra”, no conto “A imitação da rosa”), pontuação expressiva que também foge às convenções (seis travessões iniciando e fechando o romance A paixão segundo G.H, ou uma vírgula começando Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres), ironia e vocabulário grotesco, entre tantos outros elementos. Para além de tudo isso, sua escrita nos toca de forma intuitiva, não racional ou intelectual, daí o alcance de seu texto e a adesão dos leitores.
Yudith Rosenbaum - Nos primeiros vinte anos de sua obra, Clarice foi aceita mais pelos críticos e universitários do que pelo público em geral. Seu estilo ainda era visto como hermético e difícil. Não exatamente pela camada semântica (sempre clara e simples), mas pela complexidade do conteúdo que evocava a partir de uma forma aparentemente banal e acessível. Nos anos 1960, a publicação de Laços de família (1960), de A paixão segundo G.H, (1964) e do livro de contos A legião estrangeira (1964) tornaram a autora um sucesso nacional, atingindo leitores que antes se afastavam de seus textos. A época era propícia para o desejo transgressor que sua obra expressava, abrindo canais para a necessidade de libertação e reposicionamento das pessoas no mundo compartimentalizado e alienante. Talvez esteja aí um dos atrativos de sua literatura, pois ela revela o que nos aprisiona nas relações sociais e mostra aberturas fugazes, intensas e fascinantes. O conto “Amor” é exemplar nesse sentido. Ana, a protagonista, é colocada em uma situação totalmente diária, voltando de bonde para casa com as compras no colo. Súbita e inesperadamente, a visão de um cego no ponto do bonde faz ruir suas defesas tão bem armadas para não deixar explodir a existência em toda a sua força e violência. A partir desse fato disruptor, “o mal estava feito”, conforme diz o narrador. Estamos sempre tentando nos anestesiar para que a vida não nos invada (como Ana e seu cotidiano ordenado), e a escrita de Clarice nos desnuda, toca em nossa ferida. Ao mesmo tempo em que gera o mal-estar no leitor desavisado, promove uma identificação que o ajuda a compreender seus próprios mecanismos sociopsíquicos, sem nenhuma teorização sobre eles. Seu estilo é marcado por reiterações, alusões, frases estranhas cuja sintaxe desobedece algumas regras gramaticais, adjetivações paradoxais (por exemplo: “ardor de burra”, no conto “A imitação da rosa”), pontuação expressiva que também foge às convenções (seis travessões iniciando e fechando o romance A paixão segundo G.H, ou uma vírgula começando Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres), ironia e vocabulário grotesco, entre tantos outros elementos. Para além de tudo isso, sua escrita nos toca de forma intuitiva, não racional ou intelectual, daí o alcance de seu texto e a adesão dos leitores.
IHU On-Line - Qual foi o papel de Clarice Lispector durante a ditadura militar?
Yudith Rosenbaum - Relembro aqui a resposta que a própria Clarice deu à pergunta do jornalista Júlio Lerner , durante entrevista concedida à TV Cultura em 1977. Lerner havia perguntado qual seria o papel dos escritores e intelectuais da época, ao que Clarice respondeu: “Falar o menos possível”. O engajamento de Clarice Lispector ainda é um tema polêmico, pois sempre foi cobrada pelos críticos a ter um posicionamento social mais explícito, a interferir de maneira mais contundente. O fato é que Clarice participou da passeata dos artistas em 1968 no Rio de Janeiro contra a repressão, não tendo nenhuma atuação direta na linha de frente da resistência à ditadura. Seu papel como escritora era buscar uma linguagem própria, original, que descortinasse as sutilezas das formas de poder e mostrasse a natureza contraditória e ambígua do ser humano – em qualquer tempo e lugar. Por isso, Clarice manteve-se distante dos apelos ideológicos, preferindo explorar o mundo das relações domésticas e interpessoais, espaço privilegiado para a reprodução das ideologias. No seu trabalho como cronista do Jornal do Brasil (de 1967 a 1973), levantou questões relativas à sua época, mas nunca se submeteu a qualquer patrulhamento que lhe tirasse a liberdade radical de dizer a verdade de si mesma. O processo de conscientização que sua literatura produziu nos anos difíceis da ditadura (e que produz até hoje) se deu pelo valor estético de seus textos, seja falando da intimidade de uma dona-de-casa, seja pelos relatos semi-biográficos em que mostra as desigualdades de classes sociais no Recife. Mesmo sem uma atuação militante, Clarice se posicionou com a literatura, qualificando o campo da linguagem como território privilegiado. No entanto, ela sempre deixou claro que a literatura, pelo menos para ela, não muda nada, não transforma nada.
Yudith Rosenbaum - Relembro aqui a resposta que a própria Clarice deu à pergunta do jornalista Júlio Lerner , durante entrevista concedida à TV Cultura em 1977. Lerner havia perguntado qual seria o papel dos escritores e intelectuais da época, ao que Clarice respondeu: “Falar o menos possível”. O engajamento de Clarice Lispector ainda é um tema polêmico, pois sempre foi cobrada pelos críticos a ter um posicionamento social mais explícito, a interferir de maneira mais contundente. O fato é que Clarice participou da passeata dos artistas em 1968 no Rio de Janeiro contra a repressão, não tendo nenhuma atuação direta na linha de frente da resistência à ditadura. Seu papel como escritora era buscar uma linguagem própria, original, que descortinasse as sutilezas das formas de poder e mostrasse a natureza contraditória e ambígua do ser humano – em qualquer tempo e lugar. Por isso, Clarice manteve-se distante dos apelos ideológicos, preferindo explorar o mundo das relações domésticas e interpessoais, espaço privilegiado para a reprodução das ideologias. No seu trabalho como cronista do Jornal do Brasil (de 1967 a 1973), levantou questões relativas à sua época, mas nunca se submeteu a qualquer patrulhamento que lhe tirasse a liberdade radical de dizer a verdade de si mesma. O processo de conscientização que sua literatura produziu nos anos difíceis da ditadura (e que produz até hoje) se deu pelo valor estético de seus textos, seja falando da intimidade de uma dona-de-casa, seja pelos relatos semi-biográficos em que mostra as desigualdades de classes sociais no Recife. Mesmo sem uma atuação militante, Clarice se posicionou com a literatura, qualificando o campo da linguagem como território privilegiado. No entanto, ela sempre deixou claro que a literatura, pelo menos para ela, não muda nada, não transforma nada.
IHU On-Line - E o que dizer da relação de Clarice com a magia/bruxaria? Em que medida isso influenciou em seus escritos?
Yudith Rosenbaum - A pergunta é curiosa, porque Clarice foi convidada para participar de um Congresso de Bruxaria em Bogotá, em 1976, convite que ela considerou pitoresco. Mas aceitou com naturalidade, lendo o conto “O ovo e a galinha”, que ela mesma diz não entender. De certa forma, existe uma “Clarice bruxa”, que expressa na linguagem misturas macabras e feitiços muitas vezes maléficos. Talvez ela tenha influenciado mais os bruxos do que vice-versa. O mal é uma categoria importante na obra clariciana e talvez por aí haja correspondências com a magia e a bruxaria. Para a escritora, o mal existe como pulsão transgressora, perversa e desorganizadora de tudo o que teima em permanecer o mesmo. As pessoas guardam em seus reservatórios inconscientes uma energia tanática, destinada a subverter a ordem e destruir o status quo. Há mais de cem anos, a psicanálise mostrou como reprimimos o que é indesejável socialmente e nos neurotizamos. O preço da civilização é esse mal-estar da cultura, que a obra clariciana põe em evidência. Disso para a bruxaria é um passo, já que o que não posso expressar ganha força quando encoberto, surgindo sob formas disfarçadas e dissimuladas. A magia é um modo de destampar o que já se converteu em mal e precisa ser exorcizado. O conto “A quinta história”, por exemplo, é quase uma receita de bruxaria, forjando uma poção mágica para matar baratas. O álibi da dedetização mal esconde a liberação do desejo sádico de matar. Como num ritual alquímico, a narradora se descobre uma amante excitada e uma assassinada compulsiva, enquanto mistura os ingredientes no seu caldeirão. O leitor acaba sendo a “vítima” seduzida por uma escrita potente e desagregadora dos padrões, fazendo da autora uma bruxa da linguagem.
Yudith Rosenbaum - A pergunta é curiosa, porque Clarice foi convidada para participar de um Congresso de Bruxaria em Bogotá, em 1976, convite que ela considerou pitoresco. Mas aceitou com naturalidade, lendo o conto “O ovo e a galinha”, que ela mesma diz não entender. De certa forma, existe uma “Clarice bruxa”, que expressa na linguagem misturas macabras e feitiços muitas vezes maléficos. Talvez ela tenha influenciado mais os bruxos do que vice-versa. O mal é uma categoria importante na obra clariciana e talvez por aí haja correspondências com a magia e a bruxaria. Para a escritora, o mal existe como pulsão transgressora, perversa e desorganizadora de tudo o que teima em permanecer o mesmo. As pessoas guardam em seus reservatórios inconscientes uma energia tanática, destinada a subverter a ordem e destruir o status quo. Há mais de cem anos, a psicanálise mostrou como reprimimos o que é indesejável socialmente e nos neurotizamos. O preço da civilização é esse mal-estar da cultura, que a obra clariciana põe em evidência. Disso para a bruxaria é um passo, já que o que não posso expressar ganha força quando encoberto, surgindo sob formas disfarçadas e dissimuladas. A magia é um modo de destampar o que já se converteu em mal e precisa ser exorcizado. O conto “A quinta história”, por exemplo, é quase uma receita de bruxaria, forjando uma poção mágica para matar baratas. O álibi da dedetização mal esconde a liberação do desejo sádico de matar. Como num ritual alquímico, a narradora se descobre uma amante excitada e uma assassinada compulsiva, enquanto mistura os ingredientes no seu caldeirão. O leitor acaba sendo a “vítima” seduzida por uma escrita potente e desagregadora dos padrões, fazendo da autora uma bruxa da linguagem.
IHU On-Line - Como é a forma de Clarice falar de amor? Como ela descreve o amor em suas obras?
Yudith Rosenbaum - O amor na obra de Clarice Lispector é, freqüentemente, uma experiência difícil, repleta de tensões, desencontros, excessos. É o “amor com garras”, do conto “Os desastres de Sofia” (A legião estrangeira). Amar é muitas vezes uma via-crucis, uma trajetória de provações, um processo penoso extasiante, que pode se dar no encontro/confronto com os seres mais inusitados: baratas, cachorros, macacos, rosas, livros, professores, primos, galinha, pintinho etc. A vivência do amor nos textos de Clarice pede uma espera nem sempre tranqüila; pede uma disponibilidade para agüentar as diferenças, as alteridades tantas vezes destruidoras. A relação eu X outro é central na obra clariciana, mobilizando afetos misturados, pelos quais amor e ódio se contaminam mutuamente, revelando reversibilidades constantes. Por trás do desejo amoroso, ouve-se a pulsação da fúria; no interior da agressividade, o que se sente é a ternura mais funda. Na dialética dos amores, que podem ser perversos, impossíveis, platônicos, nem sempre a síntese triunfa. As ligações se fazem como laços sufocadores, principalmente quando se trata do amor em família, amor viciado e condenado a se rotinizar. Mas o que lemos como marca constante é a carência humana, uma busca sem fim de um outro que nos complete, nos salve de uma solidão intrínseca. Na verdade, a maior força de Eros nos textos de Clarice está na palavra, essa portadora de sentidos e não-sentidos, flecha errante que esconde mais do que esclarece, mas que se abre, amorosamente, ao fluxo da vida e da morte. Clarice dizia que havia nascido para escrever e amar. Não se trata apenas do amor homem/mulher, mas de toda entrega que traz junto o risco da perda e da desintegração. Mesmo o amor à literatura, face luminosa de uma escritora intensa e insatisfeita, carrega tanto as marcas da negatividade quanto da redenção. “Escrever”, diz Clarice, “é uma maldição. Mas uma maldição que salva”.
Yudith Rosenbaum - O amor na obra de Clarice Lispector é, freqüentemente, uma experiência difícil, repleta de tensões, desencontros, excessos. É o “amor com garras”, do conto “Os desastres de Sofia” (A legião estrangeira). Amar é muitas vezes uma via-crucis, uma trajetória de provações, um processo penoso extasiante, que pode se dar no encontro/confronto com os seres mais inusitados: baratas, cachorros, macacos, rosas, livros, professores, primos, galinha, pintinho etc. A vivência do amor nos textos de Clarice pede uma espera nem sempre tranqüila; pede uma disponibilidade para agüentar as diferenças, as alteridades tantas vezes destruidoras. A relação eu X outro é central na obra clariciana, mobilizando afetos misturados, pelos quais amor e ódio se contaminam mutuamente, revelando reversibilidades constantes. Por trás do desejo amoroso, ouve-se a pulsação da fúria; no interior da agressividade, o que se sente é a ternura mais funda. Na dialética dos amores, que podem ser perversos, impossíveis, platônicos, nem sempre a síntese triunfa. As ligações se fazem como laços sufocadores, principalmente quando se trata do amor em família, amor viciado e condenado a se rotinizar. Mas o que lemos como marca constante é a carência humana, uma busca sem fim de um outro que nos complete, nos salve de uma solidão intrínseca. Na verdade, a maior força de Eros nos textos de Clarice está na palavra, essa portadora de sentidos e não-sentidos, flecha errante que esconde mais do que esclarece, mas que se abre, amorosamente, ao fluxo da vida e da morte. Clarice dizia que havia nascido para escrever e amar. Não se trata apenas do amor homem/mulher, mas de toda entrega que traz junto o risco da perda e da desintegração. Mesmo o amor à literatura, face luminosa de uma escritora intensa e insatisfeita, carrega tanto as marcas da negatividade quanto da redenção. “Escrever”, diz Clarice, “é uma maldição. Mas uma maldição que salva”.
Por: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1141&secao=228
Taxa de ocupação x Coeficiente de Aproveitamento
Trata-se de uma informação muito importante para quem vai construir, e
esses valores
variam de acordo com cada município.
Você pode baixar este artigo clicando aqui.
ou em : http://www.box.net/shared/ibcsycagw4
O que é especulação imobiliária?
- Este é um termo muito utilizado em praticamente todas as considerações sobre os problemas das cidades atualmente. No entanto, tenho percebido que não são muitas as pessoas que conseguem definir com clareza o que seja especulação imobiliária. Na maioria dos casos, elas associam o termo à construção de prédios em altura e, mais especificamente, a uma intensa ocupação do solo urbano. Mas será que é isso que significa especulação imobiliária?
Campos Filho (2001, p. 48) define especulação imobiliária, em termos gerais, como
[...] uma forma pela qual os proprietários de terra recebem uma renda transferida dos outros setores produtivos da economia, especialmente através de investimentos públicos na infra-estrutura e serviços urbanos[...].
A especulação imobiliária, portanto, caracteriza-se pela distribuição coletiva dos custos de melhoria das localizações, ao mesmo tempo em que há uma apropriação privada dos lucros provenientes dessas melhorias.
Terreno à espera de valorização em Campo Grande MS. À esquerda é possível ver sua localização central (em amarelo estão destacadas as duas principais avenidas da cidade). Fonte: google Earth
A FORMA BÁSICA DA ESPECULAÇÃO
Mas o que isso quer dizer? Como é possível “melhorar” uma localização se ela não pode ser mudada? Afinal de contas, um terreno é um bem imóvel. Essas melhorias que acabam valorizando os terrenos podem dar-se de muitas formas; as mais comuns referem-se à provisão de infra-estrutura (água, esgoto, energia), serviços urbanos (creches, escolas, grandes equipamentos urbanos) e às melhorias realizadas nas condições de acessibilidade (abertura de vias, pavimentação, sistema de transporte, etc.).
Tais melhorias, quando realizadas no entorno de um terreno, acabam agregando-lhe maior valor. Terrenos com boa infra-estrutura são mais caros que terrenos sem nenhuma infra-estrutura. O mesmo vale para a pavimentação das vias. Outro caso relativamente comum é o de terrenos que não são muito bem localizados, até que uma nova avenida ou rua importante é aberta, melhorando suas condições de acessibilidade. Seu preço, por consequência, acaba aumentando quase que instantaneamente.
Outra forma de melhoria da localização acontece pelo simples acréscimo de novas edificações no seu entorno, o que por si só torna sua acessibilidade melhor em relação ao conjunto da cidade. Em outras palavras, a ocupação por atividades (residenciais, comerciais, etc.) ao redor de um terreno torna-o mais próximo – e portanto com maior acessibilidade – a uma nova gama de possibilidades de interação com o resto da cidade.Essa possibilidade de interação, por sua vez, é um aspecto valorizado pelas pessoas no momento de escolher um determinado local e, por isso, acaba também contribuindo para o aumento do preço do solo.
POR QUE A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA É INJUSTA?
Como vimos, o que se chama de “melhoria” de uma localização é o processo através do qual a qualidade da localização de um terreno em relação à disponibilidade de infra-estrutura e a outros terrenos (e portanto a outras atividades e centros de interesse) é aumentada. Dessa forma, os terrenos chamados “de engorda” ficam vazios, à espera de que o desenvolvimento da cidade se encarregue de valorizá-los, sem que nenhum investimento tenha sido feito pelo proprietário (a não ser, é claro, o IPTU, que no entanto é irrisório comparado à valorização da terra). Todo o investimento foi feito pelo Poder Publico, principalmente no caso das infra-estruturas, e por outros proprietários privados.
Muitos contribuem para a valorização, mas poucos ficam com os lucros.
Para entender esse ponto de vista, é interessante fazer uma comparação: imagine um empreendedor qualquer, que queira ter lucro através da realização de uma determinada atividade. Para conseguir isso, ele tem que investir uma certa quantia de capital e correr um risco, proporcional à probabilidade de o negócio dar certo ou não. Os ganhos, por sua vez, também serão proporcionais ao risco corrido. Ele presta um serviço que, de uma maneira ou de outra, é útil à coletividade e, em troca desse serviço prestado, recebe sua compensação financeira. Nesse processo, ele gera empregos e movimenta a economia.
Por outro lado, o especulador imobiliário que investir a mesma quantia de capital em um terreno ocioso não está contribuindo em nada para a sociedade. Não gera empregos, não presta nenhum tipo de serviço, e pior: ainda traz inúmeros prejuízos para a coletividade, conforme será visto mais adiante. Ainda assim, por causa da valorização imobiliária conseguida através de investimentos feitos por outros setores da sociedade, alcança lucros muitas vezes bastante grandes.
A DISPERSÃO URBANA E A ESPECULAÇÃO
Outra maneira de “melhorar” a localização de uma área é melhorar a qualidade dessa localização em relação ao resto das áreas disponíveis no mercado, através do acréscimo de novas áreas que sejam piores que elas. Assim, às vezes o preço de um determinado terreno sobe sem que haja nenhuma modificação no seu entorno. Isso acontece porque loteamentos são criados nas piores localizações, normalmente na periferia, isolados do tecido urbano e em condições precárias de infra-estrutura. Entretanto, mesmo esses loteamentos têm que, no mínimo, cobrir seus gastos de produção e conferir algum lucro ao empreendedor, definindo, portanto, os menores preços do mercado de terras.
Com isso, o “ranking” de localizações é rearranjado, pela introdução, na sua base, de uma nova “pior” localização. As outras localizações, por consequência, passam a ser mais valorizadas, por estarem agora mais “distantes” da pior localização e mais próximas das áreas mais interessantes da cidade, ao menos em comparação com essas novas áreas que agora passaram a fazer parte do tecido urbano. Quando um terreno deixa de ser uma das piores localizações, pela adição de novas piores localizações, seu preço sobe automaticamente.
Na maioria das vezes, esse mecanismo está associado também à forma mais básica da especulação imobiliária, uma vez que deve ser feita provisão de infra-estrutura para atender a essas piores localizações, e que essa infra-estrutura acaba passando pelos terrenos mais bem localizados, valorizando-os ainda mais.
OS PROBLEMAS URBANOS GERADOS PELA ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA
Apesar de gerar lucro para alguns poucos investidores, a prática da especulação imobiliária é extremamente prejudicial para as cidades. Por causa dela, os tecidos urbanos tendem a ficar excessivamente rarefeitos em alguns locais e densificados em outros, gerando custos financeiros e sociais. A infra-estrutura, por exemplo, é sobrecarregada em algumas áreas e subutilizada em outras, tornando-se, em ambos os casos, mais cara em relação ao número de pessoas atendidas.
A especulação gera maiores distâncias a serem percorridas, subutilização da infra-estrutura e aumento artificial do preço da terra.
As dificuldades de deslocamento da população de mais baixa renda, especialmente nas grandes cidades, também é, em grande parte, decorrente dessa lógica especulativa, que aumenta as distâncias entre habitação e empregos. A urbanização de “piores” localizações empurra a ocupação para lugares cada vez mais distantes, e com isso as distâncias que os novos moradores têm que percorrer acabam aumentando.
Outra possível consequência da retenção especulativa de imóveis é a dificuldade de deslocamento gerada pela escassez de vias e de possíveis caminhos para quem se desloca. Isso acontece quando os terrenos ociosos são grandes, e impedem o surgimento de conexões entre áreas da cidade pelo fato de não estarem parcelados. Todo o fluxo, portanto, precisa desviar-se dessas glebas, causando estrangulamento em alguns pontos e concentração excessiva de tráfego em algumas poucas ruas.
POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Diante da constatação desse problemas advindos da especulação imobiliária, alguns instrumentos urbanísticos vêm sendo utilizados para tentar coibi-la, com destaque especial para aqueles regulamentados pelo Estatuto da Cidade.
O IPTU progressivo no tempo, por exemplo, permite ao poder público sobretaxar aqueles imóveis que não estiverem cumprindo sua função social, isto é, que estiverem sendo subaproveitados em áreas que possuam infra-estrutura.
A outorga onerosa do direito de construir busca recuperar parte dos investimentos do poder público em infra-estrutura decorrentes do aumento de densidade acarretado por aquelas edificações cuja área ultrapasse a área do terreno (coeficiente 1).
A contribuição de melhoria permite que o poder público cobre dos proprietários beneficiados por obras de melhoria urbana o valor do investimento.
Entretanto, a aplicação de tais instrumentos nem sempre são implementadas, mesmo com a nova leva de planos diretores participativos, principalmente por causa de hábitos e crenças há muito tempo arraigados na cultura do brasileiro. Como explicar a alguém que sempre viu seus pais e avós segurando a venda de terras para esperar os melhores preços que agora ele não poderá mais fazer isso, sob pena de pagar mais impostos? Tarefa difícil, mas que deve ser levada a cabo paulatina e constantemente, para que seja possível modificar essa mentalidade e criar cidades mais justas para todos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPOS FILHO, Candido Malta. Cidades brasileiras: seu controle ou o caos. 4 ed. São Paulo: Studio Nobel, 2001.
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